Passa tempo, passa tempo...
E chegou novamente fevereiro. O mês difícil. Não, não é nenhum tipo de superstição. É apenas um mês difícil. Triste. É difícil ver a todo momento a palavra ‘pai’ estampada em cada canto. Em cada comercial, propaganda, anúncios de lojas. É difícil ficar olhando sempre sugestões de presentes. É triste ver este dia chegar e com ele, a saudade. A saudade existe sempre, mas neste mês ela vem com mais intensidade e mais doída.
Sabia que aquele seria o último dia que te veria, te abraçaria com tanta força. Sabia que seria a última vez que ouviria sua voz, te pediria para ouvir um último ‘eu te amo’. Nenhum abraço, nenhuma palavra de amor jamais teria o mesmo valor. Fui amada por um pai e fomos muito felizes. Cada vitória minha era comemorada por você como se fosse um gol – daqueles gols que gritávamos juntos. Você me ensinou tudo sobre futebol. Me ensinou a gostar de futebol. Tive o privilégio desse amor, desse convívio sempre alegre. Você dizia que eu era sua ‘crioulinha’. E que saudade de me sentir uma ‘crioulinha’, de ser tratada como uma princesa…
Você me ensinou a admirar a beleza dos pássaros, seu voo encantado, suas cores, seus ‘piados’. Você, que passou a vida assobiando – era sua marca. Chiquinho Gomes assobiava o dia todo. Acho que por isso amava tanto os passarinhos.
Num viveiro enorme ‘guardava’ seus canários. Eram muitos, cada um mais lindo que o outro. Não me esqueço as tantas vezes que te vi os admirando, que te vi os alimentando, que te vi conversando com eles e assobiando, imitando-os. Sabia exatamente quantos eram. E me chamava sempre pela manhã:
– ‘Vem ‘crioula’
– ‘Vem sentir como eles cantam’
Nenhum homem no mundo jamais amará uma mulher como um pai ama sua filha. Nenhum é capaz de cuidar, de admirar, de valorizar, como um pai. E é por isso que minha vontade é gritar bem alto para todos que têm a sorte de ter um pai, para que não só neste dia, mas em todos, os valorize, os ame, os abrace, beije e aproveite cada instante junto deles. Muita saudade. Muita falta.
Eu tento fazer várias coisas para poder me distrair dessa saudade que aperta o meu coração e me falta o ar... Mas a vida é cheia de momentos e momentos nos traz lembranças, aí eu me lembro que você se foi pai e nesse dia, como quem já soubesse que no meu ventre já crescia minha Maria – coisa que nem eu sabia, apagou que nem um canarinho com uma das mãos na minha barriga. Sinto até hoje o calor daquela mão que aqueceu e abençoou minha filha que nasceria meses depois. Você sabia, pai.
Agradeço por ter sido a filha que esteve com você até o último momento, sussurrando no seu ouvido que tudo ficaria bem, que poderia seguir seu caminho sem medo, que encontraria a paz e se livraria de tanta dor. E assim você se foi. Voou.
Na volta para casa fui à cozinha tomar um café tentando acordar daquela dor. E, não sei por quê quis olhar os canarinhos, numa vontade de alegrar aquele momento. Mais uma tristeza: todos inertes, sem vida no chão do viveiro. Não tinha mais vida ali também, naquele lugar de tanta alegria, de tantas cores, de tantos piados. Desistiram de viver. Seguiram o voo do seu dono. Foram cantar no Céu, junto com você, meu pai.
Pai, você me deixou aqui, morrendo de saudade. Queria você aqui para conhecer minha Maria, aquela que chegou para preencher seu vazio. Oh pai, como eu te amo! Sei que você está junto de Deus e de seus canarinhos... Agora você me olha aí de cima.
Ainda ouço seu assobio e o canto de seus canarinhos.
Márcia Heliane Gomes
Editora e escritora
Responsável pela Aquarius Produções Culturais
Setembro de 2024
✓ Crônica extraída do Livro ‘Uma menina de Minas’.
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