Muito se discutiu nesta campanha eleitoral sobre a influência do lulismo e do bolsonarismo nas intenções de votos dos eleitores nos mais diversos municípios do país, no entanto, algo de novo parece estar surgindo nessa polarização e que ultrapassa a lógica tradicional do enfrentamento pelo enfrentamento. As novas caras desses dois lados tem sido expoentes fundamentais para se criar posições afirmativas, sem que as rejeições desses paralelos se sobreponham para o eleitorado. O deputado federal Nikolas Ferreira e o prefeito João Campos viraram importantes cabos eleitorais dando a entender que esse dualismo entre direita e esquerda no Brasil, tem um caminho ainda longo pela frente, principalmente, ao se avaliar a baixa idade de ambos. São sementes de uma nova cepa de políticos, que podem, ao trilhar o caminho estratégico correto, serem protagonistas de disputas nacionais em um futuro não tão distante.
A dificuldade do PT em se renovar fez com que o partido abrisse mão de disputar as eleições em 3 dos 5 maiores colégios eleitorais do país. Em São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador, por exemplo, o PT fez alianças desde o PSOL até o PSD, de Gilberto Kassab, passando pelo MDB, na busca por derrotar o organizado bolsonarismo, mesmo sem ser protagonista. Lula tem tido imensa dificuldade em encontrar um sucessor e o saldo da eleição municipal mostrou que o PT não tem hoje qualquer quadro capaz de ocupar esse espaço, do ponto de vista eleitoral. Fernando Haddad parece ser ainda o preferido de Lula para esse projeto, mas falta combinar com os russos, já que o ex-prefeito conseguiu perder uma reeleição ainda em primeiro turno na capital paulista e foi derrotado pelo bolsonarismo nas duas eleições subsequentes que disputou, a primeira, presidencial, em 2018, quando foi para o sacrifício, com a prisão de Lula, e em 2022, quando foi vencido por Tarcísio de Freitas para o governo de São Paulo.
Do outro lado, Pablo Marçal bagunçou o coreto do bolsonarismo, que parecia concentrar forças no governador paulista para ser o sucessor do impedido Jair Bolsonaro na eleição presidencial daqui dois anos. Tarcísio viu sua popularidade cair com o enfrentamento que fez ao postulante do PRTB à prefeitura paulistana e recebeu a alcunha pejorativa de “goiabinha” por ser, segundo Marçal, verde por fora e vermelho por dentro, associando-no ao comunismo, já que Tarcísio entrou de cabeça no projeto de reeleição de Ricardo Nunes. O apelido é repetido por seguidores, que inundam as redes sociais do governador com críticas à sua postura e por entenderem que o atual prefeito de São Paulo não representa os valores da direita brasileira.
Nesse ínterim, uma onda quase que natural começou a ser vista nas diferentes regiões brasileiras. De um lado, Nikolas Ferreira, deputado mais bem votado da história de Minas Gerais, com quase 1,5 milhões de votos, em um estado reconhecido pela sua importância política no Brasil, e do outro João Campos, reeleito prefeito de Recife, com 78% dos votos dos eleitores da capital pernambucana, viraram verdadeiros pop stars levando suas imagens bem avaliadas para apoiar candidaturas em locais que nada têm a ver com seus domicílios eleitorais. Suas presenças geram frenesi na imprensa e ganham destaque de apoio fundamental, com as campanhas esperando os efeitos de suas visitas nas medições de intenção de votos dos candidatos.
Único candidato da esquerda eleito em primeiro turno, João Campos, filho de Eduardo Campos e bisneto de Miguel Arraes, teve em Fortaleza, no Ceará, onde dançou no palco com Evandro Leitão e avisou: “dei a primeira lapada, aqui vai ser a segunda”, usando de termos populares para evidenciar que Fortaleza tinha que vencer o bolsonarismo, assim como Recife fez. Sua agenda tem Belém e Natal ainda como destinos certos, nesse segundo turno, sempre apoiando candidatos contra a direita. Sua comunicação simples, as viralizações na internet como o episódio do nevou, em que adotou símbolos da cultura do brega funk da periferia recifense, ao descolorir o cabelo durante o carnaval e políticas públicas para as comunidades das encostas, até simples medidas, que tem grande apelo popular como as máquinas de lavar nas creches, tem criado um personagem carismático e com conexão com os mais pobres, algo que no petismo, apenas Lula possui.
Na mesma medida, mas em campo contrário, Nikolas Ferreira percorreu o Brasil apoiando candidatos da direita em Rio Branco, no Acre, em Palmas, Tocantins, além de ter conseguido ser um bastião para a candidatura de Bruno Engler, em Belo Horizonte, sua terra natal, que alcançou o segundo turno, indo em primeiro lugar. Nos trackings das campanhas belorizontinas, foi percebida a importância do apoio de Nikolas, quando ele apareceu no programa eleitoral pedindo voto para o seu indicado. Oscilações positivas de até 4 pontos percentuais foram sentidas, mostrando a sua força. Em pesquisa RealTime Big Data, contratada pela Record, a imagem positiva de Nikolas supera a do governador Romeu Zema, na cidade, que pretende ser um dos nomes à disposição da direita brasileira, em 2026. Seu recente enfrentamento à ministra Marina Silva, quando a chamou de incompetente, durante reunião da Comissão de Agricultura da Câmara, atingiu quase 10 milhões de brasileiros, apenas pela sua conta do Instagram.
Essa disputa entre dois jovens, um de 28 anos, o deputado mineiro, e outro de 30 anos, o prefeito pernambucano, não parece intencional, mas sim natural, sendo duas renovações importantes de seus espectros políticos. Suas atuações tem ganhado destaque na mídia, não só pelas posições políticas, mas até mesmo por uma certa independência em relação a seus padrinhos políticos. O PT quis porque quis indicar a vice de João Campos, já esperando sua descompatibilização do cargo para disputar o governo pernambucano no próximo pleito, ficando assim por dois anos com o comando da cidade de Recife. Mesmo com toda a pressão e diversas reuniões com Lula, João Campos relutou e indicou alguém de sua extrema confiança para o cargo, seu amigo pessoal, Victor Marques, filiado ao PCdoB. Sua namorada, Tabata Amaral, foi candidata à prefeitura de São Paulo, enfrentando Guilherme Boulos, nome de Lula para o Edifício Matarazzo. Do mesmo, modo, apesar de sempre reverenciar a atuação de Jair Bolsonaro, Nikolas Ferreira não cedeu à pressão para apoiar Ricardo Nunes, em São Paulo, e apareceu fazendo o “M”, símbolo da campanha de Pablo Marçal durante a corrida do primeiro turno. Foi Nikolas também, responsável por apaziguar os ânimos entre a família Bolsonaro e o empresário, que ficou em terceiro lugar na disputa, mas que já aparece em segundo para a Presidência da República, em pesquisa publicada pela Quaest, em parceria com o banco Genial.
Como certa vez bradou Machado de Assis: “política é ciência prática”, e nesse sentido, Nikolas Ferreira e João Campos estão mostrando a que vieram. Suas ações, seus posicionamentos e a grande ajuda que a idade lhes garante, são pontos a serem observados com muita atenção. Os dois nomes de sucessão do bolsnonarismo e do lulismo podem estar fora das jogadas políticas tradicionais e dos dedaços famosos na história do Brasil. De forma orgânica os dois personagens têm conseguido seus espaços e iniciam um enfrentamento quase que involuntário, mas que o dia a dia pode coloca-los frente a frente em mais batalhas. Sem previsões mirabolantes, já que tudo é muito mutável, mas analisando os fatos e as projeções, não é de se duvidar de que em alguns anos, o campismo e o ferreirismo sejam discutidos como correntes políticas que representem a esquerda e a direita, dando sequencia com ajustes a uma polarização que parece ter ganho a sociedade brasileira.
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