O nazifascismo começa a levantar novamente a cabeça no mundo. O noticiário internacional indica que a formação de um novo Eixo é, hoje, uma possibilidade concreta. Ela passa pelo fortalecimento da extrema-direita na Europa, isto é, em países como Portugal, França, Suécia, Holanda, Alemanha e Itália. E, também, pela escalada expansionista cada vez mais agressiva implementada pelo governo de Vladimir Putin, defensor de uma propalada "limpeza étnica" na Ucrânia. E, como se tudo isso não bastasse, temos as constantes ameaças golpistas e loas ao Terceiro Reich de Adolf Hitler por parte de Donald Trump. Uma eventual vitória desse aventureiro norte-americano nas eleições de outubro de 2024 poderá ter consequências gravíssimas para todos nós. As posturas terroristas dos governos atuais do Irã, de Israel e da Venezuela, endossadas igualmente pelo Hamas, tornam o quadro mundial mais tormentoso ainda.
E há um agravante nisso tudo: não contamos mais com a União Soviética, cuja resistência ao nazismo se deu ao preço de 20 milhões de vidas. Pior: preocupa igualmente o fato de a experiência liberal, que pauta há dezenas de anos a política interna dos Estados Unidos, se encontrar hoje por um fio. A invasão do Capitólio não se deu por um acaso.
Tudo isso pode configurar uma situação pior do que aquela que vivemos em 1939, quando foi dada a partida para a Segunda Guerra Mundial.
Diante desse quadro tão inquietante, qual a nossa maior dificuldade? A união em torno da defesa dos valores da Civilização contra a Barbárie. Vale dizer, acredito que seja necessário, mais do que nunca, montar uma Frente Ampla semelhante àquela que o dirigente revolucionário búlgaro Georgi Dimitrov costurou após a ascensão do hitlerismo, reunindo liberais, social-democratas e marxistas sob uma plataforma democrática comum. O mundo precisa disso e rápido. Há setores mais conservadores na política, outros mais avançados. Como há setores mais conservadores no tocante às decisões econômicas e tomadas de posição no plano social e outros mais avançados nesses dois planos. Mas um terreno democrático comum pode e deve ser explorado. Vamos ao que nos une desde já. E essa união é ditada pelo Humanismo.
O Campo democrático encarna, a meu juízo, o que os valores da Civilização produziram de melhor até aqui. Ou seja, a noção de Justiça Social, dos Direitos Humanos e a defesa da Democracia, do indivíduo frente à onipotência do Estado. Esse é o terreno no qual temos de lutar sempre; pontos de partida absolutamente inegociáveis.
Isso posto, convém destacar, com Cristovam Buarque, que esta " extrema-direita é produto da democracia: o eleitor que antes buscava ampliar direitos sociais, agora (...) busca manter privilégios contra estrangeiros geográficos, geracionais ou minoritários".
O que fazer, então? De um lado, é preciso mergulhar sem preconceito no exame das profundas mudanças em curso no mundo do trabalho e das chamadas forças produtivas, da tecnologia, e a partir daí criar bases sólidas para a construção de uma política para os trabalhadores presentes nessa nova cena social. Se o movimento anarquista correspondeu a uma fase mais artesanal da indústria e o movimento comunismo da Terceira Internacional a um período de dominância da indústria pesada, é imperativo encontrarmos uma forma de organização que se coaduna com os tempos da automação, da robotização, do empreendorismo e do trabalho por conta própria. Entender as novas pautas, equacionando com propriedade as demandas das chamadas minorias, é igualmente fundamental. Da questão ambiental à luta pela paz, dos embates contra a corrupção e os desvios do dinheiro público, inúmeras são as nossas tarefas. Sem esquecer o quão importante significa repensar o papel das forças do mercado, afastando de vez do nosso pensamento falsas dicotomias como Estado ou Mercado e, ainda, Empresa Estatal ou Empresa Privada. Precisamos atentar, aí sim, para a dimensão pública da gestão econômica. Durante a sua brilhante campanha presidencial de 1989, Roberto Freire levantou a bandeira da luta contra a privatização do Estado. Nem tudo que é estatal se confunde com o público. Como nem tudo que é privado atenta contra o impulso coletivo. O confronto, na realidade, se dá entre o capital e o interesse social. Uma ONG, por exemplo, é uma entidade privada, mas possui uma indisfarçável função pública. O mesmo podemos dizer das cooperativas. E uma determinada empresa estatal pode simplesmente significar um cabide de emprego, um "puxadinho" de um partido político corrupto (uma entidade privada, por sinal...). A estatal é uma propriedade coletiva dos capitalistas e não uma antessala dos socialismo. Mais um detalhe: a sociedade civil é maior do que o Estado. Analisando a Comuna de Paris de 1871, Karl Marx definiu este grandioso episódio político como o triunfo da sociedade sobre o Estado. A subordinação do Estado à sociedade civil deveria ser um dos nossos mais caros objetivos. Muitas vezes, operamos no sentido inverso. A palavra final é da sociedade. Escrevi recentemente: " Sepé Tiaraju, símbolo da luta dos guarani e dos jesuítas por um mundo sem exploração, não esteve no Estado. Zumbi, referência máxima do Quilombo dos Palmares, tampouco esteve no Estado. Tiradentes, sacrificado nos embates pela Independência do Brasil, também não alcançou o Estado. Luiz Carlos Prestes, que dedicou sua vida às causas populares, menos ainda. Dos grandes líderes nacionais, somente José Bonifácio ingressou no Estado, mesmo assim foi preso e exilado, permanecendo por pouco tempo no Poder. Mas todos esses homens encarnam a História do Brasil e os valores mais sadios da sua sociedade de sua época".
Concluindo: o Campo Democrático tem muito trabalho pela frente, se quiser de fato propor saídas consistentes, isolando as tentações autoritárias que se apresentam diante de nós. Para isso, só há uma maneira: tomar o pulso da realidade e, a partir dela, lutar pela construção de uma nova cultura política, incorporando as partes vivas do nosso passado de lutas, mas também atentando para as novas questões do mundo ao nosso redor.
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