R$ 23,3 bilhões em emendas já foram pagos, menos da metade. Com isso, o governo terá de liberar R$ 25 bilhões neste final de ano para votar qualquer coisa no Congresso
Estava tudo parado no Congresso, agora as coisas vão começar a andar, para o bem, como a regulamentação da reforma tributária, ou para o mal, caso da PEC das Praias, veremos no decorrer das próximas semanas. Depois das eleições municipais, os parlamentares realizaram uma espécie de obstrução dissimulada, na qual se recusavam a votar propostas da maior relevância, porque as emendas parlamentares ao Orçamento da União continuavam suspensas. Aguardavam decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino, que exigia a adoção de mecanismos que garantissem clareza e transparência na destinação dessas emendas.
Nesta segunda-feira, em decisão monocrática, o ministro liberou o pagamento das emendas parlamentares conhecidas como RP9 (emenda de relator) e RP8 (emendas de comissão) e emendas Pix, desde que atendidas regras constitucionais relativas à transparência, à rastreabilidade e ao controle público. A decisão está sendo submetida ao referendo do plenário em sessão virtual extraordinária, iniciada às 18h desta segunda-feira, e que deve ser concluída nesta terça-feira, até as 23h59. Já se formou maioria a favor da decisão de Dino.
Na liminar, o ministro Dino estabeleceu novos critérios para liberação das emendas, como a indicação do autor e do beneficiário final dos recursos no Portal da Transphttps://www.correiobraziliense.com.br/politica/2024/12/7002308-stf-mantem-decisao-de-dino-e-forma-maioria-para-liberar-emendas-parlamentares.htmlarência, além da separação entre o relator do Orçamento e autor das emendas. Determinou também que a aferição da transparência, por parte do Executivo, ocorra antes da transferência dos recursos, o que terá de ser analisado caso a caso. Em relação às metas das emendas de comissão, o ministro exigiu a necessária identificação nominal do parlamentar ou instituição que a sugerir ou, ainda, a autoria da indicação de emenda à bancada, a fim de que todo o processo orçamentário seja documentado.
A conta não é pequena. Para 2024, R$ 49,17 bilhões em emendas parlamentares foram autorizados, R$ 37,6 bilhões empenhados (ou seja, foram reservados para pagamento) e R$ 23,3 bilhões efetivamente pagos, considerando os chamados “restos a pagar”, emendas reservadas de anos anteriores. Com a suspensão das emendas, há três meses, restam R$ 25 bilhões a serem pagos em dezembro. O governo pretende negociar a liberação dessas emendas para aprovar a regulamentação da reforma tributária e o pacote fiscal, sem a mudança no Imposto de Renda, que ficou para o próximo ano.
Entretanto, ainda há insatisfações no Congresso. Dino exigiu que, a partir do próximo ano, a liberação das chamadas emendas Pix (um verdadeiro absurdo, porque os recursos poderiam ser destinados sem exigência de projeto, diretamente à conta dos beneficiados) somente seja feita com a devida apresentação de um plano de trabalho prévio e em contas específicas. Para as emendas deste ano e do ano passado, ainda não executadas, foi concedido prazo de 60 dias para sanar o requisito de apresentação de plano de trabalho. Caso não seja apresentado o plano, o pagamento deverá ser suspenso novamente.
Patrimonialismo
É aí que está o problema, porque muitos desses recursos foram negociados em troca de apoio eleitoral. Em sua decisão, Dino ressaltou que cabe ao Tribunal de Contas da União (TCU) fiscalizar e julgar as contas relativas às emendas Pix. Ou seja, normas regimentais, da Câmara e/ou do Senado, e administrativas, do Executivo, não podem modificar essa competência constitucional. Um aspecto importante é a obrigatoriedade de observar os critérios técnicos e orientações do gestor federal do Sistema Único de Saúde (SUS), antes da liberação de recursos. Houve uma farra de destinação de emendas para “organizações da sociedade civil de interesse público”, as OSIPS, que atuam na área da saúde, sem considerar as prioridades do SUS.
A Controladoria-Geral da União (CGU) teve um papel decisivo no resgate de transparência das emendas ao Orçamento, ao apontar o descumprimento dos requisitos de transparência e rastreabilidade nas execuções das emendas parlamentares de todas as modalidades. Trata-se de um montante de R$ 186,3 bilhões pagos entre 2019 e 2024, com origem e destino não sabidos. A existência dessas emendas, que violava as diretrizes constitucionais de elaboração e execução do Orçamento da União, já havia provocado uma decisão da agora ministra aposentada Rosa Weber, que presidia o Supremo à época. Diante do descumprimento da ADPF 854, de dezembro de 2022, o pagamento das emendas acabou suspenso pelo ministro Dino.
O Congresso reagiu muito negativamente ao freio de arrumação, o que levou à realização de uma audiência de conciliação em agosto de 2024. As emendas Pix elevaram ao quadrado o patrimonialismo na política, em dezenas de municípios para os quais são destinados milhões de reais. Cada parlamentar tem direito a mais de R$ 50 bilhões em emendas, alguns chegam a destinar quase R$ 150 milhões em verbas. Há municípios nos quais as principais autoridades e empresas são ligadas ao mesmo grupo político, quando não à família do parlamentar. Mais de uma dezena de congressistas estão sendo processados, em segredo de justiça, por desvio de recursos dessas emendas.
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