Desfalcado de Marta e com gestão medíocre, Ricardo Nunes depende de Bolsonaro para se tornar competitivo.
A corrida municipal de São Paulo inicia o ano com uma movimentação recheada de ingredientes para análise. A ex-prefeita Marta Suplicy, que até então ocupava o cargo de secretária municipal de Relações Internacionais da gestão de Ricardo Nunes, aceitou um convite inusitado de seu antigo partido, o PT, para se candidatar ao cargo de vice prefeita na chapa do maior opositor do seu atual chefe. Além da discussão sobre a fidelidade política, o fato por si só, se não impacta diretamente os números eleitorais, tem um potencial de reforço de posições, que podem ser determinantes para as ambições de todos os postulantes.
Com entregas que ficaram marcadas na história paulistana, como os CEUs, o Bilhete Único, os Telecentros, o programa de microcrédito São Paulo Confia / Banco do Povo, Marta Suplicy acabou penetrando eleitoralmente no eleitor das franjas da cidade. Regiões que foram de domínio malufista, como o extremo da zona leste e zona norte da cidade, viraram importantes bases do petismo com a junção dos governos Marta e Lula, a partir de 2002. Em sua tentativa de reeleição, Marta foi derrotada por José Serra, mas saiu vitoriosa nessas áreas, além do extremo da Zona Sul, onde o PT sempre performou bem, desde a época de Luiza Erundina. Essa mesma tônica se repetiu quando Marta tentou retornar ao cargo, em 2008, enfrentando Gilberto Kassab. Em regiões como Guaianases, Marta venceu Kassab por 62% a 38%, em Parelheiros, 77% a 23%.
Em sua última tentativa de retornar ao cargo, em 2016, Marta foi a única postulante que conseguiu vencer João Doria em alguma zona da capital, quando o tucano se elegeu em primeiro turno. Grajaú e Parelheiros, na ponta meridional da capital, deram vitória a Marta, mesmo tendo uma candidatura petista na disputa, o então prefeito Fernando Haddad. Nessa eleição, Marta Suplicy iniciou sua campanha com um pedido de desculpas, tentando diminuir a rejeição carregava, principalmente nas classes mais altas. Candidata pelo MDB, Marta enfrentaria o PT pela primeira vez. O episódio de rompimento com o PT, no entanto, não foi tão impactante em sua rejeição quanto a sua separação de Eduardo Suplicy, um ano após assumir a prefeitura. Marta amargou muitas críticas após o episódio, que teve declarações de seus filhos em defesa do pai, além do surgimento de um novo namorado, que aumentaram as especulações a respeito da infidelidade de Marta.
Há pelo menos 24 anos sendo um dos nomes debatidos a cada eleição municipal, Marta Suplicy ainda carrega consigo uma boa popularidade nas classes mais baixas. Fato este, determinante para Guilherme Boulos, que precisa aumentar sua votação na periferia da capital. Boulos foi derrotado por Bruno Covas, em 2020, em 50 das 58 zonas da cidade, sendo que as 8 zonas em que venceu justamente ficavam na periferia. A maior vitória de Boulos, no entanto, ficou longe de ser acachapante, tendo ganhado por 56% a 44%, em Cidade Tiradentes, zona leste. Vencer com distância na periferia pode ser fundamental para o triunfo geral, já que das 10 zonas com maior densidade eleitoral da cidade, 8 estão no subúrbio.
Esse reforço de posicionamento de Boulos com a chegada de Marta Suplicy à sua chapa, desafia o atual prefeito Ricardo Nunes. Ainda não plenamente conhecido pelos paulistanos, por ter herdado a gestão após o falecimento de Bruno Covas, Nunes tem o desafio de se encontrar nos corredores eleitorais da cidade. Oriundo da periferia, de uma região que historicamente tem dado voto aos petistas, o atual prefeito terá um adversário fortalecido nessas regiões e precisará de muita estratégia para conseguir se reeleger prefeito de São Paulo. Na região mais central onde se encontra as classes A, B1 e B2, 39% dos paulistanos, segundo o Critério Brasil, da ABEP, as candidaturas de Tábata Amaral e Kim Kataguiri prometem dar um certo trabalho. A busca por nomes fora da polarização nacional, nas áreas mais ricas de São Paulo, fez Simone Tebet, por exemplo, ter 19% dos votos no Jardim Paulistano e 17,5% no Itaim Bibi, na eleição de 2022.
Com penetração nas classes mais altas, mas principalmente na média-média da capital, a classe C1, 23,6% da cidade, o bolsonarismo tende a ser a tábua de salvação de Nunes. Ao somar as classes C1 e B2, encontra-se 48,2% dos paulistanos. Bolsonaro venceu as eleições em bairros como Lapa, Mooca, Saúde, Vila Maria e Santana, que congregam boa parte desse perfil eleitoral. Para Nunes, agarrar-se em Bolsonaro é fundamental para estar no jogo eleitoral. Em pesquisa realizada pela Atlas, há menos de 20 dias, é perceptível o quanto uma entrada de um candidato identificado com o bolsonarismo pode ser prejudicial ao atual prefeito. Quando Ricardo Salles, ex-ministro de Jair Bolsonaro é testado, ele empata com Nunes, com 18% das intenções de voto.
As projeções de segundo turno, mostram que Ricardo Nunes é um adversário mais letal a Boulos do que Salles. Nunes venceria Boulos por 37% a 34%, enquanto Salles perderia para o candidato do PSOL, por 37% a 32%. Nesse aspecto que Nunes precisa convencer Jair Bolsonaro a apoia-lo. Mostrar que sua candidatura é a mais apta para derrotar o PT, no campo da centro-direita. Caso não consiga faze-lo, Nunes corre o risco de acabar como Rodrigo Garcia, na eleição para o governo do Estado, que dizia não ser direita, nem esquerda e que para frente iria. O resultado, todavia, é que acabou indo pra trás, nem mesmo conseguindo chegar ao segundo turno.
Com uma aprovação mais baixa do que a reprovação, Nunes não pode se escorar na gestão para alavancar sua votação. É uma eleição de posicionamento, impactada pelo aspecto nacional, e que necessita de protagonismo no eixo a ser escolhido. De acordo com a Atlas, 45% rejeitam a atual administração municipal ante 34% que aprovam. O desafio, nesse contexto, é organizar uma boa estratégia para chegar ao segundo turno, provavelmente contra Guilherme Boulos e daí fazer um enfrentamento binário, explorando as rejeições tanto de Boulos, quanto de sua provável vice, Marta Suplicy.
Sendo a criminalidade, o maior dos problemas enxergados para 50% dos paulistanos, adotar um discurso mais combativo na segurança pública, reforçado pela presença dos bolsonaristas pode ser a liga que Nunes precisa para endireitar seu posicionamento. Para os eleitores que vivem na faixa de 5 mil a 10 mil reais, a classe B, a segurança é o tema mais problemático para 67%. Com a caneta na mão, Nunes pode deixar de tentar recapear toda a cidade, estratégia que tem limite para sua aprovação, ainda mais numa cidade tão extensa quanto São Paulo e partir para um programa de prevenção a roubos e assaltos nos moldes da “tolerância zero” de Rudolph Giuliani, em Nova Iorque.
Compreender o campo de batalha é mais importante do que ter muito arsenal. Nunes, caso queira vencer, tem de compreender que seu maior desafio é no arranjo político. Sua gestão, em fim de curso, não deve sofrer mais tantos impactos a ponto de mudar a percepção da população. Sua tarefa é muito mais de convencer Bolsonaro a apoiá-lo, do que qualquer outra coisa. Sem esse arranjo, a chance da esquerda voltar ao poder na capital paulista aumenta significativamente e o ciclo de 12 anos para uma vitória desse campo (1988 Erundina, 2000 Marta, 2012 Haddad) ser confirmado. A Nunes cabe entender e aceitar que a ineficiência administrativa o deixou refém da política.
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